Monday, March 30, 2015

THINK FOR YOUR SHELF: DOIS AMIGOS, DOIS LIVROS

Mais uma daquelas coincidências (para quem acredita) que se fossem programadas não dariam certo. Agora em março saíram quase juntos dois livros sobre duas pessoas que são meus amigos dos mais queridos desde que voltei a Sampa em 1978; conheci ambos no ano seguinte, e desde então compartilhamos muita música e fizemos juntos alguma. Um é o DJ, cantor, radialista, escritor e jornalista Kid Vinil, com quem tive as honras de trabalhar na banda Magazine (fizemos muitos shows e em CD, Na Honestidade) e no programa Digital Session na Brasil 2000 FM; o outro é o arquiteto e ilustrador Claudio Finzi Foà, que editou comigo a emérita publicação alternativa ASAS e participou de algumas gravações minhas, notadamente  o quase-sucesso "Tancredo Neves's Dead". Um dos livros é a biografia autorizada Kid Vinil, Um Herói Do Brasil, escrita pelo músico Duca Belintani em parceria com o jornalista Ricardo Gozzi e lançada pela editora Ideal; o outro é o autobiográfico Memories Of A Shrinked Person, também editado pelo próprio Foà.

Outras coincidências são Kid e Foà serem "oriundi" (Kid se chama "al secolo" Antônio Carlos Senefonte), nascidos no interior paulista (Kid em Cedral, Foà em Jundiaí), residentes em Sampa desde piazitos e comemorarem aniversário praticamente juntos, ou quase (Kid nasceu em 26 de fevereiro, segundo sua mãe, e 10 de março, diz sua certidão de nascimento; Foà é seguramente de 28 de fevereiro; Kid veio ao mundo em 1955 e Foà no ano seguinte). E, sim, ambos são palmeirenses. (Por sinal, Foà talvez seja a única pessoa judia que conheço pessoalmente que não é corintiana.)


O livro de Foà é uma divertida narrativa de fatos pessoais, principalmente as internações psiquiátricas por que passou - um dos raros tais relatos brasileiros. Sim, Foà é uma versão bem mais "light" de Arnaldo Baptista, de quem, aliás, é amigo - e parceiro em arte: foi ele quem criou o selo do disco Singin' Alone, adotado pela gravadora, a Baratos Afins, para quase todos seus lançamentos em vinil. Foà explica a razão do título: "shrink", "encolher" em inglês, é também gíria ianque para "psiquiatra". Sim, ele, quase tão fluente em inglês quanto em português e italiano, sempre esteve ciente de que o certo seria "shrunk" e não "shrinked" - mas este ato falho acaba sendo mais um charme e uma distinção. Memories Of A Shrinked Person inclui também poemas, letras e ilustrações de Foà; fui honrosamente citado em parcerias com ele, mas o livro não menciona o ASAS nem "Tancredo Neves's Dead" - se bem que Foà promete que este é apenas seu primeiro livro, outros virão. A primeira edição de Shrinked é "encolhida", limitada e com nova edição prevista para breve; pessoas interessadas podem falar com o autor pelo e-mail finzi.foa@terra.com.br .

Ah, sim: ambos estes livros são saborosos, sucintos e enxutos, cada um com menos de 200 páginas que se leem num instante. Felizmente, em minha opinião, eles nada têm de sensacionalismo, exceto, talvez, as narrativas da única vez em que Kid fumou maconha e de quando Foà foi paquerado pelo filósofo francês Michel Foucault quando este veio ao Brasil (sim, filósofo inteligente,  sensível e de bom gosto). Também fui citado no livro sobre Kid como integrante do Magazine, mas há poucos detalhes sobre o grupo; afinal, o livro é sobre Kid, e o Magazine merece outro (mais que apenas um "magazine") só para ele. O único erro que encontrei é a canção "I'm Gonna Get Married", sucesso com a banda Sunday, onde tocou Ted Gaz, guitarrista do Magazine, ter sido citada como parte da trilha da telenovela Beto Rockfeller; na verdade, foi outra novela, Super Plá. (Lembremos que Duca Belintani, co-autor do livro, também foi integrante do Magazine.) Esta biografia de Kid Vinil já deve ter chegado às livrarias; pode-se falar com a editora pela internet, www.edicoesideal.com.br .

Sunday, March 29, 2015

Ê, TREM BÃO, PONTUAL E SEM PARAR HÁ 50 ANOS

Estão se completando 50 anos do grande sucesso do samba "Trem Das Onze", não só a vencedora do carnaval carioca de 1956, mas também uma das canções brasileiras mais conhecidas em todo o mundo. Aqui vai um "estudo" que produzi para o programa Rádio Matraca sobre este samba.
Adoniran compôs “Trem das Onze” em 1961, mas originalmente o samba era muito longo e Adoniran, que tocava apenas algumas notas no violão e flautim, demorou para conseguir ensiná-lo aos Demônios, e isso causava briga em todos os ensaios do grupo. Os Demônios tiveram de fazer um belo trabalho de copidesque e edição no samba (incluindo a famosa frase "pascalingundum", não "faz caringudum" como muita gente ouve), que ficou pronto em 1964. O disco com “Trem das Onze” foi lançado em agosto e fez tanto sucesso que conseguiu duas grandes façanhas. Uma foi ser a composição mais cantada no Rio de Janeiro, justamente no carnaval de Quarto Centenário da cidade, em 1965. A outra foi se tornar uma das composições brasileiras de maior sucesso no exterior, a partir de uma versão em italiano; inclusive, “Trem das Onze” foi uma das cem canções de maior êxito na Itália nos anos de 1960. Muitos cariocas não se conformaram com o sucesso de “Trem Das Onze”, uma canção paulista até a medula. Houve quem comentasse: “Imagine se carioca, quando está com mulher, vai ligar para horário de trem e mãe esperando em casa.” O grande Stanislaw Ponte Preta, apesar de carioca, não se rendeu ao bairrismo de Vinicius de Moraes e outros, inclusive contestando-o (“São Paulo pode ser o túmulo do carnaval, sim, mas do samba não”), e defendeu entusiasticamente a paulistaníssima “Trem das Onze”. Tanto defendeu que acabou plagiando-a sem querer em sua composição “Samba Do Crioulo Doido”, nesse trecho que acabamos de ouvir. Este samba de Stanislaw foi lançado em 1968 pelo Quarteto em Cy e fez grande sucesso. Ao ser lembrado de que cometera um plágio acidental, Stanislaw não se apertou e disse: "A minha música não fala em trem? Fiz de propósito, pra lembrar mesmo."
Na Itália, onde os trens eram muito mais pontuais que no Brasil, a ênfase da letra de “Trem Das Onze” foi transferida para o amor filial, e a versão chamou-se “Figlio Unico”, composta e gravada em 1966 por Riccardo Del Turco, na mesma levada de sambas à italiana como “Meglio Stasera” e “Quando Quando Quando”.


Uma prova do sucesso mundial de "Figlio Unico" está neste anúncio da Billboard de 7 de janeiro de 1967 (leiam a última, mas não menos importante, linha).


“Figlio Unico”, a versão italiana de “Trem Das Onze”, fez tanto sucesso que não demorou ela mesma a inspirar outras versões. Uma delas é do grupo belgradiano 4M, gravada em 1967 e com o título “Jedinac Sin”, que significa “Filho Único” em iugoslavo. Detalhe: no selo do disco dos 4M aparece apenas o nome de Riccardo Del Turco, não o de Adoniran.
E o cantor espanhol Erasmo Mochi gravou uma versão em espanhol, "Hijo Unico", também em 1967. O próprio Adoniran execrou esta versão, dizendo “Rrrrrruim! Como ele canta mal, e ainda diz ‘vivo em Maringá’!” (Notem que neste caso a situação se inverteu: o selo do disco credita apenas Adoniran e omite Riccardo Del Turco.)

Vinte anos depois, o cantor hebraico Matti Caspi gravou um álbum só de canções brasileiras em hebraico, Crazy Pais Tropical, lançado em 1987, e incluindo uma versão de "Trem Das Onze" bem fiel à original, nada de Maringá. O título é “Afilu Daka”, ou seja, “nem mais um minuto”, e a letra diz “nem mesmo mais um minuto posso ficar, já é tarde, não fiques brava comigo, tenho de pegar o último trem desta noite, exatamente às 11 horas, e minha mãe não dorme sem mim”. Realmente, uma versão em hebraico teria de falar em mãe...


Em 1994 a grande dupla gaúcha de humor musical Klaunus & Pletskaia cantou "The Eleven’s Train", uma versão de “Trem das Onze” em inglês macarrônico. E em 2001 foi lançado na Itália o CD Buena Vista Social Ska, com versões em ska de grandes sucessos da música pop italiana. Um deles é justamente “Figlio Unico”, ou seja, “Trem das Onze” em italiano. E esta versão em ska é interpretada pelo grupo Arpioni e cantada no feminino, ou seja, “Figlia Unica”, por uma mulher, Begoña Bang-Matu.
Como toda canção de grande sucesso, “Trem das Onze” inspirou muitas imitações, continuações e paródias. Uma das primeiras foi “Desculpe, Mãe”, composição de Enock Figueiredo, com um grupo chamado Anjos do Sol; até o nome tem alguma semelhança com Demônios da Garoa. E os Quatro Azes e Um Coringa foram um dos grandes grupos vocais brasileiros e um dos mais imitados pelos próprios Demônios. Com o sucesso de “Trem Das Onze”, os Quatro Azes não resistiram a imitar seus imitadores, embora com sutileza, em "Reza Por Mim", composição de Roberto Faissal.
A demolição da estação Jaçanã de trem, para construção da avenida Radial Norte e modernização da Zona Norte de São Paulo, começou a ser planejada em 1964 e foi efetivada em 1966. Começaram a surgir as primeiras composições a aproveitarem o sucesso de “Trem Das Onze” pelo lado nostálgico. A pioneira foi “Adeus, Cantareira”, de Frederico Rossi, lançada pelos Demônios em 1965. Outra das muitas imitações/continuações de “Trem Das Onze” é “Penha-Lapa”, gravada pelos Azes da Melodia em 1965. A composição é de Doca e Ivan Pires, que também chegou a ser integrante dos Demônios da Garoa. Curioso é que o título do samba está creditado no selo do compacto como “Penha-Lapa”, mas o grupo canta “Lapa-Penha”.
Tom Zé, o tropicalista não-paulistano que mais afinidade tem com São Paulo, homenageou Adoniran em várias de suas canções, e uma delas é esta, “A Volta Do Trem Das Onze”, lançado em 2005. E este que vos escreve compôs e gravou em 2000 “O Trem Das 10 (Podia Ser De Qualquer Hora)”, sobre o atraso costumeiro dos trens paulistanos até então (se bem que de lá para cá a situação tem melhorado um pouco).
E quase tudo isso pode ser conferido aqui, dirijam-se para o atalho de embarque e boa viagem!