Friday, February 27, 2015

"ASSIM SE PASSARAM DEZ ANOS..."

Sim, hoje faz exatamente uma década que inaugurei este espaço com toda a pujança e idealismo de um jovem de 47 anos. Mesmo que eu nem sempre tenha comparecido com a assiduidade que eu gostaria, espero ter ajudado a difundir música e cultura - como pretendo continuar fazendo,  com toda a pujança e idealismo de um jovem de 57 anos.

E numa coincidência daquelas que se programadas não dariam certo, ainda ontem uma pessoa amiga e companheira de "mutantologia", Marcus Queiroz, escreveu em seu blog um belo texto a meu respeito:

Ode A Big Mug.

Como Ayrton Mugnaini Jr. consegue por sua cabeça no travesseiro e dormir, sabendo que ele é apenas Ayrton Mugnaini Jr.?

Mal sei, mal sei. Insisto nesta questão até o fim deste relato mal detalhado e sem informações concretas, pois, como pode ser um homem tão versátil, íntegro, sucinto e carregado de um humor ácido e inteligente - cujas pessoas o talvez julguem por meio de ser incoerente, entrão ou qualquer outro adjetivo de mal logradouro. A maioria dos gênios são incompreendidos e/ou subestimados, coisa que acontece também com este homenageado.

Estas pessoas - pobres pessoas, mal conhecem o Professor (Sim, ele também é professor).

Ayrton é uma pessoa única, como qualquer outra pessoa que gosta de música no mundo, que acorda cedo e dorme tarde como qualquer outra pessoa no mundo e que é feliz, como qualquer outra pessoa no mundo. Eu desde cedo conheço ele, sem ter ligado nome a pessoa. Tenho uma biografia do Raul Seixas, herdada do meu pai, que contém seu nome, e quando ouvi pela primeira vez Língua de Trapo aos meus 14 anos, não imaginava sequer que o nome de Ayrton estava envolvido ali, as revistas com matérias épicas e detalhadas de bandas incríveis, resenhas, e links para shows piratas, e gemas "perdidas" de músicas e músicos, teriam seu toque em letras e blogs, e afins. Pensando bem, até você, amigo(a) leitor(a) já deve ter cruzado o caminho do meu amigo Ayrton, mas não deve ter tido noção de que ele era realmente ele.

Além de tudo isso, um bom compositor, letrista, musicista, pesquisador, autor de bons livros, radialista e ainda tem ótimos discos na jogada. Afinal, Como Ayrton consegue por a cabeça no travesseiro sabendo que ele é ele? Como ele se sente sabendo que é tão importante e vital para um pedaço histórico da música, e quiçá de toda uma geração? Seus dados, suas fontes, sua histórias, e todo o resto só podem ser cada vez mais relevantes para quem pesquisa, ou apenas quer conhecer mais e mais sobre o universo.

Dado a última vez que vi Ayrton, pude perceber outra de suas qualidades: Ele simplesmente andou da Móoca até  Belém, para poder me encontrar no Tatuapé(!). Um presente que recebi também foi ter seu autógrafo no meu LP recém-adquirido desta figuraça. E assim sendo Ayrton Mugnaini Jr. me mostrou toda a sua humildade, paciência, amizade e carisma (apesar de encharcado pela chuva de ontem).

Talvez este texto acima seja apenas para dar valor para quem é necessário, antes que seja tarde, ou para que não passe em branco. Afinal, pessoas boas existem, e Ayrton faz parte desse seleto time, com todo louvor.

Sim, ficou bonito. Coisas assim fazem os anos valerem a pena. E o texto pode ser lido também no blog do próprio Marcus Queiroz, digno, por sinal, de ser lido inteiro.

Sunday, February 08, 2015

METENDO O NARIZ PRA TENTAR FAZER SHOW NO CENTRO GUTURAL

Se quem tem boca vai a Roma, quem tem nariz pode ir até mais longe. Assim me faz pensar o grande sucesso de cantores e cantoras cujo timbre vocal é eminentemente anasalado. E este breve “estudo” sobre o assunto que estás começando a ler (e espero que termines) nasceu de conversas minhas sobre o assunto com três amigas cantoras: Vera Mendes, Tereza Miguel e Nadja Bandeira.

A idéia de escrever este texto veio de uma imprecação de Nadja sobre sua pouca simpatia por determinado cantor quase-carnívoro que “pra piorar é fanho”. Lembrei então a ela que isso não era tanto problema, “Jorge Veiga era mais fanho ainda, e Chico Buarque é hors-concours”; ela concordou e lembrou um terceiro de que também sou admirador, Miltinho. A esta conversa juntei informações que me apareceram em outras pesquisas, como o saudoso jornalista e produtor Walter Silva descrevendo na Folha de S. Paulo a então novata Maria Alcina como “uma Maria Bethânia resfriada” e a famosa queixa de um paulista ao ouvir “Chega De Saudade” com João Gilberto: “Por quê gravam cantores resfriados?”

Realmente, essa pergunta puxa outra: por quê tanta gente canta “pelo nariz”? Talvez seja porque dá menos trabalho que emitir a voz corretamente pela boca, ou porque certos idiomas, como o português, o inglês e o francês, têm muitos sons nasais. Comparem, por exemplo, com o idioma italiano, onde falta o fonema “ão”, forçando Gianni Morandi a cantar “brasiliano ‘Joáo’ Gilberto” em seu sucesso “Che Ne Me Faccio Del Latino”. (Mas a relativa ausência de fonemas nasais no idioma italiano não impediu o sucesso do “cantautore” moderno Eros Ramazzotti, com timbre anasalado de fazer honra aos citados Jorge Veiga e Miltinho.)

Certamente, emissão nasal é sinônimo de informalidade, amadorismo, o que pode ser até um charme – a chamada “Invasão Britânica” dos anos 1960 foi um triunfo não só hormonal como adenoidal; cantores que cantavam “pela boca”, como Mick Jagger e Paul McCartney, foram (ou pelo menos podem soar como se tivessem sido) minoria perto de John Lennon, Peter Noone, Keith Richards, Peter Townshend, os Bee Gees e Ray Davies. Por sinal, em 1982 o líder dos Kinks deu uma explicação técnica interessante sobre o assunto para a revista Modern Recording & Music: “Usamos muitos microfones Neumann. Tenho um monte de microfones valvulados que comprei da BBC, mas eles vivem explodindo. Eu os uso para os vocais. Minha voz é muito difícil de ser gravada porque tenho uma qualidade nasal. Daí que eu uso um microfone valvulado e um Sennheiser para captar ambas as qualidades, e mixo ambas num canal.”

Falamos de Brasil, da Itália, de britânicos, e não esqueceremos dos EUA. Muitos e muitas de vocês devem ter se lembrado de – quem mais? – Bob Dylan. Mas o país já tinha reputação de voz anasalada desde bem antes, como atesta aquela piada sobre George Washington.  Numa excursão de turismo nos EUA, diante de um retrato de Washington, o guia turístico diz "Dos lábios desse homem jamais saiu uma mentira!" e alguém comenta: "Devia falar pelo nariz, como todo estadunidense." Além de Dylan, podemos lembrar também os grandes cantores country Hank Williams e Willie Nelson, Mike Love dos Beach Boys, “cantautori” como Carole King e James Taylor e, mais para o rock pesado, Axl Rose e Jimi Hendrix – que, como sabemos, começou a cantar motivado pelo sucesso de Bob Dylan, “se ele pode fazer tanto sucesso cantando tão fora do tom, eu também posso”.

Hendrix foi bem definindo por minha mãe como “imitador do personagem Cuém-Cuém de Chico Anysio”. O que nos traz de volta ao Brasil e faz lembrar Juca Chaves (inclusive grande muso de si mesmo com seu "Nasal Sensual"), o emérito Jair Rodrigues e Belchior, que, como Hendrix, tem timbre nasal mais grave e que, para a citada Vera Mendes, que além de cantora é fonoaudióloga, tem timbre mais gutural – ou seja, forçando a garganta – que propriamente anasalado; tal observação pode valer também para a citada Bethânia e Nana Caymmi. Mas ninguém contesta a sonoridade nasal de duas pessoas profissionais da comunicação que ora lembrarei, a apresentadora de televisão Marília Gabriela, que também gravou como cantora, e o jornalista e radialista Leopoldo Rey, meu colega na FM 97 quando a emissora era de rock e que era o primeiro a se divertir quando nosso grande amigo Sidnei Lopes, um dos melhore imitadores que já conheci, desandava a imitar o que o próprio Leopoldo resumia como “eu e minha voz de gripe”. “É brincadeira?!” Por falar em brincadeira,quem quiser imaginar como Wilson Simonal – um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos soaria se pegasse um forte resfriado ou resolvesse imitar Jorge Veiga pode conferir este vídeo de Simoninha

E para este texto lembrei-me também de uma canção que compus de brincadeira em parceria com Tereza Miguel, ela a iniciou e eu a desenvolvi junto com ela; Tereza diz que sua principal inspiração foi uma cantora que não esqueceríamos de mencionar, Sandy Lima – sim, a filha de Xororó. A gravação está aqui e a letra segue abaixo. E termino este estudo desejando a todas e todas um feliz nasal!

CANTOR(A) SEM BOCA
Tereza Miguel
Ayrton Mugnaini Jr.

Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz


Esta singela canção 

Sim, fui eu mesmo que fiz 

É minha contestação 

Mais fanhoso é quem me diz


Eu sou um cantor sem boca 
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz


Este meu canto é chinfrim
Mas é minha força motriz
Sei que quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz

Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz

Desculpe meu canto fraco
Não nasci assim porque eu quis
Não gosta, não enche o saco
Vai ouvir disco da Elis!

UM ASSUNTO BASTANTE DATADO

Tenho recebido, ouvido e espiado muitos e muitos discos brasileiros independentes, e de tudo: samba, choro, música erudita, caipira/sertanejo, forró, pop, brega, roquinho, rocão e aquela MPB que pode ser um pouco de tudo isso... enfim, de tudo. Mas percebi em quase todos um detalhe que me chamou a atenção e me pareceu digno de reparo – mas que provavelmente ninguém além de mim repara, comenta e muito menos reprova.

Isso mesmo, quase nenhum deles traz a data de lançamento, com ou sem aquele famoso “” (sim, de “publicado” ou “phonogram”/”phonorecord”) e/ou © (de “copyright”) antes dela.

Imagino que muitas das pessoas artistas destes discos serão dignas de discografias no futuro (algumas até já o são). Imaginem vocês agora a trabalheira que terão pessoas pesquisadoras chatas como eu para descobrirem uma informação que deveria estar no próprio disco... Um bom exemplo é o belo disco Os Mestres Mulatos da orquestra Sinfonieta dos Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres, dedicada a resgatar os primórdios da música brasileira; o encarte do CD é detalhadíssimo, mas não informa datas de gravação ou lançamento; vasculhei o Google e descobri até que a Sinfonieta tem uma página, muito bem feita mas que esquece de registrar tal informação sobre esse e seus outros discos; tenho a sorte de conhecer pessoas parentes de integrantes da Sinfonieta, que me encaminharam ao próprio regente do disco, Marcelo Antunes Martins, que gentilmente me informou: o CD foi gravado e lançado em 2007. Espero estar dando alguma ajuda em pesquisas futuras sobre este belo trabalho da Sinfonieta, inclusive a quem tiver o prazer de descobri-lo daqui a décadas ou mesmo séculos...

Estou ciente de que em muitos casos a data de lançamento é omitida para que o disco pareça “sempre novo”... Eu soube de gravadoras que omitem tal informação por ceder a queixas de lojistas que dizem que “disco velho encalha”. Sei também de artistas que, embora independentes, sonham em um dia deixar de ser, e relançam o mesmo disco por vários selos, pois “não é interessante” divulgar que se trata de relançamento – típica falsa esperteza, pois sempre tem alguma pessoa chata para descobrir que “ah, esse disco é velho e estão querendo fazer passar por novo”. Sei que muita gente só se interessa pelo que estiver em primeiro lugar nas paradas, mas sempre digo que “velho não é antigo” e “nunca é tarde para discos independentes”. Tudo é novidade para quem acaba de descobrir (como, por exemplo, Noel Rosa, novo para mim em 1970; Robert Johnson, novo para Eric Clapton nos idos de 1964; ou Beethoven, novo para quem começa a respirar), e o que importa é a qualidade. Óbvio? Justamente por ser óbvio, pouca gente percebe... E muita gente que “esconde” tal informação nos discos que manda prensar não deve gostar muito de ser obrigada a creditar neles seu nome completo e o número de seu CPF para quem quiser ver...

E creditar datas de lançamento de discos tornou-se costume tão raro que a maioria das fontes de tipos de letras nem inclui o símbolo ”, que precisei copiar e colar da internet... Por sinal, a frase “disco é cultura” também sumiu dos CDs independentes, mas esta omissão ainda tem a desculpa de a frase ter sido criada na época da ditadura militar e de servir para isentar as gravadoras de imposto de renda por produtos culturais, e disco independente já nasce fora da grande indústria e portanto é pressuposto como cultural...

Não sei se a omissão de datas de lançamento em CDs brasileiros é uma “lei não-escrita” como o limite de 14 faixas, cavalo de batalha de artistas como Ney Matogrosso e o saudoso Johnny Alf e em que insistirei até que ele deixe totalmente de existir... Enfim, é essa minha suave bronca-sugestão: ao lado de créditos como “Fulana usa guitarra marca tal”, “cafezinho servido por Sicrano” e “agradeço a meu cachorro por latir tão bem”, aumentem ainda mais o charme de suas obras informando o ano de lançamento, ou pelo menos créditos como “gravado no outono ou primavera do ano tal” (discos europeus adoram isso). A tão mencionada e lamentada Memória da Música Popular agradece por isso também!