Sunday, February 08, 2015

METENDO O NARIZ PRA TENTAR FAZER SHOW NO CENTRO GUTURAL

Se quem tem boca vai a Roma, quem tem nariz pode ir até mais longe. Assim me faz pensar o grande sucesso de cantores e cantoras cujo timbre vocal é eminentemente anasalado. E este breve “estudo” sobre o assunto que estás começando a ler (e espero que termines) nasceu de conversas minhas sobre o assunto com três amigas cantoras: Vera Mendes, Tereza Miguel e Nadja Bandeira.

A idéia de escrever este texto veio de uma imprecação de Nadja sobre sua pouca simpatia por determinado cantor quase-carnívoro que “pra piorar é fanho”. Lembrei então a ela que isso não era tanto problema, “Jorge Veiga era mais fanho ainda, e Chico Buarque é hors-concours”; ela concordou e lembrou um terceiro de que também sou admirador, Miltinho. A esta conversa juntei informações que me apareceram em outras pesquisas, como o saudoso jornalista e produtor Walter Silva descrevendo na Folha de S. Paulo a então novata Maria Alcina como “uma Maria Bethânia resfriada” e a famosa queixa de um paulista ao ouvir “Chega De Saudade” com João Gilberto: “Por quê gravam cantores resfriados?”

Realmente, essa pergunta puxa outra: por quê tanta gente canta “pelo nariz”? Talvez seja porque dá menos trabalho que emitir a voz corretamente pela boca, ou porque certos idiomas, como o português, o inglês e o francês, têm muitos sons nasais. Comparem, por exemplo, com o idioma italiano, onde falta o fonema “ão”, forçando Gianni Morandi a cantar “brasiliano ‘Joáo’ Gilberto” em seu sucesso “Che Ne Me Faccio Del Latino”. (Mas a relativa ausência de fonemas nasais no idioma italiano não impediu o sucesso do “cantautore” moderno Eros Ramazzotti, com timbre anasalado de fazer honra aos citados Jorge Veiga e Miltinho.)

Certamente, emissão nasal é sinônimo de informalidade, amadorismo, o que pode ser até um charme – a chamada “Invasão Britânica” dos anos 1960 foi um triunfo não só hormonal como adenoidal; cantores que cantavam “pela boca”, como Mick Jagger e Paul McCartney, foram (ou pelo menos podem soar como se tivessem sido) minoria perto de John Lennon, Peter Noone, Keith Richards, Peter Townshend, os Bee Gees e Ray Davies. Por sinal, em 1982 o líder dos Kinks deu uma explicação técnica interessante sobre o assunto para a revista Modern Recording & Music: “Usamos muitos microfones Neumann. Tenho um monte de microfones valvulados que comprei da BBC, mas eles vivem explodindo. Eu os uso para os vocais. Minha voz é muito difícil de ser gravada porque tenho uma qualidade nasal. Daí que eu uso um microfone valvulado e um Sennheiser para captar ambas as qualidades, e mixo ambas num canal.”

Falamos de Brasil, da Itália, de britânicos, e não esqueceremos dos EUA. Muitos e muitas de vocês devem ter se lembrado de – quem mais? – Bob Dylan. Mas o país já tinha reputação de voz anasalada desde bem antes, como atesta aquela piada sobre George Washington.  Numa excursão de turismo nos EUA, diante de um retrato de Washington, o guia turístico diz "Dos lábios desse homem jamais saiu uma mentira!" e alguém comenta: "Devia falar pelo nariz, como todo estadunidense." Além de Dylan, podemos lembrar também os grandes cantores country Hank Williams e Willie Nelson, Mike Love dos Beach Boys, “cantautori” como Carole King e James Taylor e, mais para o rock pesado, Axl Rose e Jimi Hendrix – que, como sabemos, começou a cantar motivado pelo sucesso de Bob Dylan, “se ele pode fazer tanto sucesso cantando tão fora do tom, eu também posso”.

Hendrix foi bem definindo por minha mãe como “imitador do personagem Cuém-Cuém de Chico Anysio”. O que nos traz de volta ao Brasil e faz lembrar Juca Chaves (inclusive grande muso de si mesmo com seu "Nasal Sensual"), o emérito Jair Rodrigues e Belchior, que, como Hendrix, tem timbre nasal mais grave e que, para a citada Vera Mendes, que além de cantora é fonoaudióloga, tem timbre mais gutural – ou seja, forçando a garganta – que propriamente anasalado; tal observação pode valer também para a citada Bethânia e Nana Caymmi. Mas ninguém contesta a sonoridade nasal de duas pessoas profissionais da comunicação que ora lembrarei, a apresentadora de televisão Marília Gabriela, que também gravou como cantora, e o jornalista e radialista Leopoldo Rey, meu colega na FM 97 quando a emissora era de rock e que era o primeiro a se divertir quando nosso grande amigo Sidnei Lopes, um dos melhore imitadores que já conheci, desandava a imitar o que o próprio Leopoldo resumia como “eu e minha voz de gripe”. “É brincadeira?!” Por falar em brincadeira,quem quiser imaginar como Wilson Simonal – um dos melhores cantores brasileiros de todos os tempos soaria se pegasse um forte resfriado ou resolvesse imitar Jorge Veiga pode conferir este vídeo de Simoninha

E para este texto lembrei-me também de uma canção que compus de brincadeira em parceria com Tereza Miguel, ela a iniciou e eu a desenvolvi junto com ela; Tereza diz que sua principal inspiração foi uma cantora que não esqueceríamos de mencionar, Sandy Lima – sim, a filha de Xororó. A gravação está aqui e a letra segue abaixo. E termino este estudo desejando a todas e todas um feliz nasal!

CANTOR(A) SEM BOCA
Tereza Miguel
Ayrton Mugnaini Jr.

Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz


Esta singela canção 

Sim, fui eu mesmo que fiz 

É minha contestação 

Mais fanhoso é quem me diz


Eu sou um cantor sem boca 
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz


Este meu canto é chinfrim
Mas é minha força motriz
Sei que quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz

Eu sou um cantor sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz

Desculpe meu canto fraco
Não nasci assim porque eu quis
Não gosta, não enche o saco
Vai ouvir disco da Elis!

1 Comments:

At 11:31 AM, Blogger Tereza Miguel said...

Ayrton, a letra está errada. Aí vai a letra correta:

CANTORA SEM BOCA
(refrão)
Eu sou uma cantora sem boca
Eu canto pelo nariz
Eu não preciso de boca
Eu canto pelo nariz

Esta singela canção
Sim, fui eu mesma que fiz
É minha contestação
Mais fanhosa é quem me diz (me diz!)

(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...

A minha voz é chinfrim
Mas é minha força motriz
Porque quem gosta de mim
Também escuta pelo nariz (nariz!)

(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...

Se a minha voz é um caco,
Eu não nasci assim porque quis
Não gostou, não enche o saco
Vai ouvir os discos da Elis (Quem? Elis!!!)

(refrão) Eu sou uma cantora sem boca
...
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